Ao Som do Surdo
Nós, os ouvintes, somos raros,
Estamos aqui e ali, sempre nos cantos,
E em cada canto, um pranto, em cada pranto um canto,
Somos assim, dos cantos, quase imperceptíveis,
Passados despercebidos por quem fala,
E falam muito, falam o tempo todo,
Falam de si, falam de si,
Dos outros? Também falam,
Geralmente mal, é claro,
Nós, os ouvintes, escutamos muito o outro,
O outro fala de si, do outro só pra falar mal,
O outro só existe para o falante quando é para ser degradado,
Ouví-lo, nem pensar,
Falá-lo, sim,
Falam de si, falam tanto de si, que o outro vira realmente o outro,
O não importante, o ouvinte,
Para o falante, o ouvinte pouco importa, pode ser qualquer um, contanto que não o interrompa,
Para o ouvinte, muitas vezes, o si não existe, só o outro, o outro,
Seu si fica trancafiado, preso, enjaulado,
A frustração embebida na angústia de ter um nó na garganta pode doer,
Mas nem sempre isso é ruim,
Muitas vezes, o si do ouvinte é tão bonito, que ele sabe muito bem que poucos o merecem,
E ele sabe muito bem a quem confiar o seu si, Quando um ouvinte encontra outro ouvinte, é um momento muito bonito e especial,
Conseguem assumir o posto de falantes, um não interrompe o outro,
Um vive o que o outro viveu, e o outro vive o que o um viveu também,
Deve ser difícil para os falantes entenderem a real conexão que jamais tiveram com alguém,
Entender que nem sempre falar lhe garantirá afeições,
O dar e receber, o falar e ouvir, a troca,
Para o falante, nada disso existe e nem importa,
Eles nunca conheceram a voz do outro, e não têm interesse também,
Estão ocupados demais com a própria solidão e se iludem em achar que estão gostando de ouví-los,
Embora ocultos, escondidos, aos cantos e prantos, nós, os ouvintes, saberemos muito bem esperar por nossa vez de falar.