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O Homem É Sujeito A Não Ter Identidade

Criatura triste de se ver é o homem. Não o Homem no sentido de soberano, patriarcal representante da espécie humana, mas o homem. Apenas homem, gênero masculino, sexo macho. Esse homem. Pobre criatura, triste e sem significado, sem eira nem beira, sem consciência de si. Para que o homem não surtasse, tentaram convencê-lo de que ele estava no comando, é claro. É assim que se engana o homem, iludindo-o, fazendo-o acreditar que está tudo bem e que ele tem certo poder. Nesse caso em especial, enganaram o homem com uma cerca, uma cerca que o impede de enxergar tudo que tem de bom e de ruim do outro lado. Uma cerca invisível que o separa por dentro e por fora de sua própria natureza.

O homem tem fama de ser um eterno 'pulador de cerca', mas, na verdade, ele nunca a ultrapassa. Ele tenta fingir, na verdade, que ela não existe. Por mais que seu pinto visite cavernas e grutas variadas, o homem jamais faz disso uma exploração e tampouco um aprendizado. Trepa como quem tranca, não como quem destranca. Só tranca ainda mais a porta que não ousa abrir. Ignora a cerca que permanece erguida bem na sua frente.

Essa cerca é forte e grandiosa, como um estádio de futebol. Isso foi tudo o que restou ao homem. Um estádio de futebol. Foram lhe tirados os sonhos, os desejos, as sensibilidades, as tristezas, as derrotas. O sentir foi removido do homem. O que lhe deram em troca foi um campo de futebol, com gramado, bola... Uma causa. Convite que não pode ser recusado.

Só no estádio ou perante um estádio, o homem pode entrar em contato com ele mesmo. Só ali. Enquanto ele seria repreendido por qualquer vazamento de alma em qualquer lugar, no estádio, porém, tudo é permitido. Só ali ele pode respirar. Só ali ele pode comemorar. Só ali ele pode chorar. Só ali ele pode brigar. Só ali ele pode se emocionar. Reduziram o homem a um estádio. Permitiram que, somente dentro daquele espaço, que parece grande, mas não é, ele pudesse expressar toda angústia. Angústia essa que o acompanha o tempo todo. Angústia essa que carrega toda a sua potência e impotência.

Ao mesmo tempo em que essas semi-liberdades lhe foram dadas, a derrota ainda assim permanece inacessível. Não se pode perder. Não. Perder não. Perder jamais. Nem no campo de futebol. Isso é inadmissível. O time que perde, perde. O time que perde, fracassa. O time que perde, "chupa". Mandam chupar, sempre. Mas o homem não pode chupar nada, a não ser sua própria saliva, que ficou turva e grossa por palavras não ditas.

A força física não foi tirada do homem, mas uma razão para usá-la foi. Essa foi removida e, portanto, o homem usa a força física para agredir as mulheres, para agredir outros homens e para agredir a si. E quem não usa a força física, usa a própria força autodestrutiva de sua masculinidade, confidenciando-se, criando máscaras, usando tons grosseiros e disformes para distanciar-se cada vez mais do que, um dia, poderia ter sido um ser humano generoso consigo e com os outros. Criatura triste de se ver e de se ser é o homem. Ele não tem com quem falar. Ele não tem amigos de verdade, só colegas. Ele não tem amantes de verdade, só gostosas. Ele não tem derrotas, só conquistas. Ele não enxerga, só aperta os olhos e desiste. Pobre criatura, triste e sem significado, sem eira nem beira, sem consciência de si, que vai morrer de desgosto bem antes do que qualquer mulher.

Foto original e editada: Dan Elias

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